sábado, 26 de março de 2011

Ricardo Reis


Nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. É de um vago moreno mate. Educado num colégio de jesuítas, vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. (PESSOA, 2009, p 15).

Mapa astral de Ricardo Reis.

Ricardo Reis é autor de uma poesia neoclássica, austera, melancólica, rigorosa, desencantada com a civilização cristã do século XX e saudosa de um tempo em que os homens exercitavam a objetividade absoluta. Reis é considerado um poeta de filosofia epicurista e estóica, buscando sempre o contentamento sóbrio e a serenidade.

A ressonância da poesia de Reis, “pagão por caráter”, na definição de Campos, traduz-se num estilo denso e construído. Monarquista, educado num colégio jesuíta, latinista e semi-helenista, amante do exato, nas Odes que constrói evidencia um espírito grave, medido, ansioso de perfeição. Como Caeiro, seu mestre, aconselha a aceitar claramente a ordem das coisas. Ambos elogiam o viver campestre, indiferentes ao social, convencidos de que a sabedoria está em gozar a vida pensando o menos possível.

Em força de síntese, dir-se-ia que Ricardo Reis é um heterônimo moderno que cultiva os valores e as crenças do classicismo, procura uma filosofia de vida marcada pela ausência das grandes paixões humanas, pela renúncia parcial do pensamento racional (à imagem de Caeiro), buscando sempre compreender a efemeridade do tempo e da vida e tentando alcançar um estado de serenidade e desprendimento das emoções.

Uma das poesias mais bonitas de Ricardo Reis. Leiam e, logo após, assistam o vídeo no final...

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


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